Em meio à pandemia, onde medidas restritivas como quarentena e isolamento social foram decretadas pelos Estados e Municípios visando a evitar a propagação do vírus de forma acelerada e o consequente colapso na saúde pública, é certo que a adoção dessas providências refletem impactos negativos diretos na economia do país e na capacidade financeira do trabalhador/consumidor.
Assim, o desequilíbrio econômico provocado pelo covid-19 vem impedindo o cumprimento de obrigações contratuais, seja em parte ou mesmo no todo, e o devedor, consequentemente, torna-se inadimplente, sujeito às sanções previstas na lei, tais como, sofrer uma ação de execução, ser réu numa ação monitória, ter bens penhorados etc.
Nesta perspectiva, o que muito tem se discutido nas últimas semanas é sobre a (im) possibilidade de o contrato ser revisto ou extinto em virtude da crise financeira causada pelo coronavírus. Em princípio, a resposta é afirmativa, entretanto, alguns pormenores e dispositivos legais devem ser observados.
Primeiramente, antes de acionar o Judiciário requerendo a revisão contratual, é prudente que o devedor busque uma composição amigável com o credor, o que pode ser feito por meio de envio de Notificação Extrajudicial. A tentativa de acordo fora da esfera judicial é uma forma de renegociação de cláusulas contratuais com vistas a obter a revisão do contrato e a restabelecer o equilíbrio das obrigações assumidas pelas partes, evitando-se a inadimplência. Além disso, quando o devedor assim age, depreende-se sua boa-fé e conduta de lealdade. Um exemplo prático que alcança um universo de relações contratuais abrangidas pela situação em comento são os contratos de locação.
Apenas na hipótese de não ser possível a solução extrajudicial, é que o devedor deve ser valer da via judicial, quando poderá ajuizar ação de revisão contratual e, a depender do caso, ação de extinção contratual.
Importante salientar que essas ações têm viés diferentes a depender de se tratar de relações reguladas pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor.
No tocante às obrigações contratuais reguladas pelo Código Civil, em que pese haja divergência doutrinária, tanto na adoção da teoria da imprevisão quanto da teoria da onerosidade excessiva, o fundamento é a ocorrência de um fato superveniente imprevisível e extraordinário.
Em sendo regida pela Carta Civil, a possibilidade de revisão está prevista no artigo 317 do CC/02:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Para a hipótese de extinção do contrato, a pretensão do devedor tem como base legal o artigo 478 do CC/02:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Se, todavia, a relação jurídica for consumerista, ou seja, regulada pelas normas insertas no Código de Defesa do Consumidor, a possibilidade de revisão ou extinção das cláusulas contratuais tem como fundamento a teoria da onerosidade excessiva, estando prevista no artigo 6º do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
(…)
Registre-se que no CDC, não há a exigência do requisito da imprevisibilidade. Ou seja, para modificar ou extinguir (resolver) o contrato, a teoria adotada é a da onerosidade excessiva.
No contexto atual, tem-se indubitável que o coronavírus é considerado fato superveniente, extraordinário e imprevisível, ensejando as medidas mencionadas.
Importa asseverar que a revisão ou a extinção das obrigações pactuadas são cabíveis somente se o fato superveniente (no caso em comento, o coronavírus) refletir diretamente na base econômica do devedor, reduzindo a sua capacidade financeira. Tomando como exemplo a relação entre o inquilino e o proprietário do imóvel, se aquele é funcionário público e não está tendo de suportar sacrifícios financeiros devidos à pandemia, não se afigura possível resolver ou modificar o contrato.
Outro aspecto relevante é com relação à previsão final do artigo 478 do Código Civil, onde se tem que os efeitos da sentença retroagirão à data da citação. Todavia, com base em entendimento doutrinário, é possível requerer a retroação desses efeitos à data das tratativas de renegociação das cláusulas contratuais anteriormente ao ajuizamento da ação, razão pela qual é de grande utilidade a produção de prova documental através do envio de Notificação Extrajudicial.
Recife/PE, 09 de abril de 2020.
Por Brenda Belo
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